Capítulo 03 – Apenas uma visão?

Maria Antonieta sentia-se sufocada pelo ambiente do salão, pelo burburinho dos convidados e pelos olhares insistentes sobre ela. Precisava de um momento sozinha.

— Com licença, primas, preciso ir ao toalete — disse, sem esperar resposta, caminhando em direção ao corredor lateral.

Seus pés deslizavam pelo chão como se ela estivesse em outro mundo. Seu coração batia num ritmo estranho, uma mistura de ansiedade e uma saudade inexplicável. Willys. Seu nome ecoava em sua mente, mas ela sabia que era inútil pensar nele ali, tão longe de tudo que lhe lembrava sua antiga vida.

Foi então que algo inesperado aconteceu.

Ao passar por um dos salões menores, viu Dona Débora conversando com um jovem. Ele parecia cortês, seguro de si. Quando a conversa terminou, ele se despediu com três beijos no rosto da mulher e começou a se afastar apressadamente.

Mas antes de desaparecer, ele virou o rosto na direção de Maria Antonieta.

Ela sentiu um choque percorrer seu corpo. Mesmo com a penumbra do ambiente, aqueles traços eram inconfundíveis. Seu coração disparou.

“Não… não pode ser!”

Ela tentou segui-lo, atravessando o salão com o coração aos pulos. Mas quando chegou ao corredor, ele já havia desaparecido.

Maria Antonieta parou, ofegante, os olhos vasculhando cada canto, mas não havia mais sinal dele. Teria sido uma ilusão? Um delírio causado por seus sentimentos reprimidos?

Desesperada, mas sem outra alternativa, ela entrou no toalete, tentando recuperar o fôlego. Olhou-se no espelho, suas bochechas coradas, os olhos brilhando de emoção e confusão.

Estaria ficando louca? Ou Willys realmente estava ali, tão perto… e ao mesmo tempo, inacessível?
Sentada à penteadeira do toalete, Maria Antonieta apertava as mãos contra o peito, tentando controlar a respiração. Por que Willys estaria ali?

E mais do que isso… por que ele estaria conversando com Dona Débora?

A cena parecia tão surreal que ela se perguntou se não estaria apenas imaginando coisas. Seu coração já o desejava tanto, sua mente já estava tão impregnada com sua lembrança… seria essa apenas uma alucinação alimentada por sua saudade?

Ela fechou os olhos, tentando se concentrar. Havia algo muito estranho nisso tudo. O desaparecimento misterioso de Willys, o fato de ninguém saber quase nada sobre ele, e agora… ele ali, naquele jantar, interagindo com sua tia, como se fizesse parte daquele mundo ao qual nunca pertenceu.


Maria Antonieta sabia que não conseguiria descansar até entender o que estava acontecendo. Dona Débora teria as respostas.

Decidida, respirou fundo e voltou ao salão. Mas agora, algo dentro dela havia mudado.

Ela não iria parar até descobrir toda a verdade sobre Willys.
Maria Antonieta voltou ao salão, mas sua mente estava longe dali. Os sorrisos, as taças erguidas em brindes, a música ao fundo… nada disso fazia sentido agora.

A única coisa que ecoava em sua cabeça era a imagem de Willys se despedindo de sua tia com três beijos no rosto.

Eles se conheciam de antes?

Se sim, de onde?

E, mais do que isso… por que pareciam tão íntimos? O jeito como ele se aproximou, o sorriso discreto de Dona Débora, o olhar dela ao vê-lo partir…

Maria Antonieta sentiu um frio na espinha. O que sua tia sabia sobre Willys que ninguém mais sabia?

Ela precisava descobrir. Mas como perguntar sem levantar suspeitas?

Maria Antonieta tentou ignorar a inquietação que crescia dentro dela, mas era impossível. A cena se repetia em sua mente como um filme sem fim.

Por que Willys não a reconheceu?

Ou pior… e se ele a reconheceu, mas escolheu ignorá-la?

Ela se lembrava claramente do momento em que ele virou o rosto em sua direção. Seu olhar passou por ela, mas não houve surpresa, nem emoção, nem qualquer sinal de reconhecimento. Foi como se ela fosse uma completa estranha.

Mas como isso era possível?

Maria Antonieta sentiu o coração apertar. Ele poderia estar fingindo? Ou… teria ele mudado tanto que agora já não era mais o mesmo Willys que ela conheceu?

De uma coisa ela tinha certeza: ele estava escondendo algo.

E custasse o que custasse, ela descobriria o que era.

Maria Antonieta respirou fundo e tentou organizar seus pensamentos. Se queria respostas, precisava agir com inteligência.

A primeira e mais óbvia ação seria conversar com Dona Débora. Mas como fazer isso sem levantar suspeitas? O que perguntar? Como perguntar?

Ela sabia que não poderia simplesmente perguntar:
“Tia, por acaso você conhece Willys? Ele trabalhava para meu pai e agora, de repente, está aqui em Paris, dando três beijinhos no seu rosto como se fossem velhos conhecidos!”

Isso soaria estranho e poderia fazer com que sua tia se fechasse. Não… tinha que ser mais sutil.

Talvez pudesse começar perguntando quem era aquele rapaz com quem ela conversava. Poderia fingir que o achou interessante ou que o rosto dele lhe pareceu familiar, mas sem demonstrar desespero.

“Tia, eu vi a senhora conversando com um rapaz antes… quem era ele? Me pareceu simpático!”

Se Dona Débora falasse o nome dele — e fosse mesmo Willys — então seria um sinal claro de que havia algo muito maior por trás desse mistério.

Se, por outro lado, ela tentasse desconversar ou parecer desconfortável, Maria Antonieta saberia que a verdade estava sendo escondida.

De qualquer forma, esse era o primeiro passo para desvendar esse enigma que não lhe dava paz!
Maria Antonieta sentia a impaciência crescer dentro de si. A cada tentativa de falar com Dona Débora, algo ou alguém surgia para atrapalhar.

Ela observava a tia com atenção, esperando um momento em que estivesse sozinha, mas sempre que tentava se aproximar, um novo empecilho surgia:

— Um dos empregados chamava Dona Débora para discutir detalhes do jantar.
— Um tio distante vinha se despedir e puxava uma conversa interminável.
— A prima Olivia surgia animada para comentar sobre os pretendentes da noite.

Era como se o universo estivesse conspirando contra ela.

Mas Maria Antonieta não desistiria.

Sabia que precisava de paciência. E mais que isso: precisava ser estratégica.

Se não conseguisse falar com sua tia naquela noite, encontraria outro jeito. Afinal, o que estava em jogo era muito mais do que um simples mistério. Era o passado, o presente e, talvez, o futuro de seu próprio coração.
Maria Antonieta sentiu o coração acelerar. Era agora ou nunca.

Ela fechou o livro que fingia ler e se levantou com calma, sem demonstrar a urgência que queimava dentro dela. Caminhou até a tia, que organizava algumas taças na bandeja de prata, e, com a voz mais tranquila que conseguiu, disse:

— Tia Débora, posso lhe fazer uma pergunta?

Dona Débora sorriu, sem desconfiar de nada.

— Claro, minha querida. O que foi?

Maria Antonieta respirou fundo e escolheu cuidadosamente suas palavras.

— Hoje, durante a recepção, vi a senhora conversando com um rapaz… Ele me pareceu familiar. Quem era ele?

A reação da tia seria a chave para tudo. E Maria Antonieta estava pronta para ler cada detalhe em seu rosto.
Maria Antonieta ficou desconcertada. Dona Débora não demonstrou o menor sinal de desconforto. Pelo contrário, sua expressão era natural, e sua resposta fez sentido.

— Ah, minha querida, foram tantos rapazes hoje! — disse a tia, soltando uma risada leve. — Eu realmente conversei com muitos. Sobre qual deles você está falando?

Maria Antonieta hesitou por um segundo. Ela não esperava essa reação.

Se Dona Débora estivesse escondendo algo, não teria tentado mudar de assunto? Não teria ficado nervosa? Mas ali estava ela, completamente tranquila, como se não houvesse nada de estranho em sua interação com Willys.

Será que Maria Antonieta estava mesmo delirando?

Não… não podia ser. Ela o viu.

Mas e se… e se realmente não fosse Willys?

Uma nova onda de incerteza tomou conta de sua mente.
Maria Antonieta sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao ouvir aquele nome. Stone…

Ela repetiu mentalmente, tentando absorver a informação. Stone?! Quem era ele?

Dona Débora, por sua vez, continuou falando com naturalidade:

— Sim, só pode ter sido ele! Stone é um jovem muito educado e encantador. Ele veio se despedir e disse que precisava sair às pressas por conta de um compromisso urgente.

Maria Antonieta engoliu em seco. Stone… Mas por que sua mente gritava que aquele homem era Willys? Seriam a mesma pessoa? Ou estaria mesmo confundindo alguém completamente diferente com seu antigo chofer?

Ela precisava descobrir mais sobre esse tal Stone.

— E ele é amigo da família, tia? — perguntou, tentando parecer casual.

Dona Débora sorriu.

— Ah, sim, ele é um rapaz promissor. Tem negócios importantes aqui em Paris… Mas por que todo esse interesse, minha querida?

Maria Antonieta forçou um sorriso, mas seu coração disparava.

Negócios em Paris?

Desde quando Willys tinha negócios?

Se Willys e Stone fossem realmente a mesma pessoa, então ele não era o homem que ela pensava conhecer.

Maria Antonieta virou-se de um lado para o outro na cama, mas o sono não vinha. Sua mente estava em um turbilhão.

Ela sempre viu Willys como um homem simples, discreto, pontual e dedicado ao trabalho. Como ele poderia ser um homem de negócios em Paris?

Algo não fazia sentido.

Mas, ao mesmo tempo, a imagem dele dando os três beijinhos no rosto de sua tia não saía de sua cabeça. Ela viu aquilo. Tinha certeza! 

E se… e se fosse apenas uma ilusão criada por seu desejo de encontrá-lo?

E se Willys realmente tivesse desaparecido para sempre, e ela estivesse apenas se apegando à primeira semelhança que encontrou?

Mas… e se não fosse isso?

E se Willys e Stone fossem a mesma pessoa, e ele estivesse escondendo algo muito maior do que ela jamais imaginou?

Enquanto a madrugada avançava, Maria Antonieta percebeu que não teria paz até descobrir toda a verdade.
Com o passar dos dias, Maria Antonieta foi lentamente se adaptando à nova rotina em Paris. O desespero inicial deu lugar a uma inquietação mais silenciosa, mas ainda presente em seu coração.

Sara e Olivia faziam de tudo para que os dias fossem leves e divertidos. Passeavam pelos jardins de Luxemburgo, visitavam museus e aproveitavam as tardes nos charmosos cafés parisienses.

Por momentos, Maria Antonieta conseguia esquecer seu dilema. A cidade era um verdadeiro sonho.

Mas, à noite, quando deitava a cabeça no travesseiro, as dúvidas voltavam a assombrá-la.

Ela ainda não tinha respostas.

Quem era Stone?

E por que o destino parecia brincar com suas emoções?
Maria Antonieta não conseguia entender. Por que naquela noite, naquele instante fugaz, aquele rosto lhe pareceu ser o de Willys com tanta certeza?

Ela já havia aceitado que poderia ter sido um engano. Mas algo dentro dela se recusava a acreditar nisso.

Era como se seu coração tivesse reconhecido algo além da aparência, além da lógica.

E se não fosse apenas uma coincidência?

E se, de alguma forma inexplicável, Willys realmente estivesse ali, diante dela, sob uma nova identidade?

Ela precisava descobrir. Mas como?
Essas perguntas ecoavam na mente de Maria Antonieta, sem respostas, sem direção.

Quando voltassem para a mansão dos Skills, ele estaria lá?

Ou Willys—ou melhor, Stone—teria desaparecido para sempre?

O destino parecia brincar com ela. Primeiro, ignorou os sentimentos daquele humilde chofer. Agora, sentia que poderia perdê-lo para sempre.

O tempo em Paris estava passando. Em breve, voltariam para casa.

E então? O que o destino reservava?

Só havia um jeito de descobrir…
Os dias em Paris se arrastavam, parecendo intermináveis. Cada amanhecer trazia a esperança de esquecer, mas cada entardecer reacendia a dúvida.

Suas primas, sempre atenciosas e carinhosas, faziam de tudo para distraí-la. Mas nada parecia preencher o vazio que se instalara em seu coração.

Maria Antonieta sorria, conversava, passeava pelos cafés e jardins, mas, por dentro, sentia-se perdida em um labirinto de incertezas.

O que mais a atormentava não era apenas a ausência de Willys, mas o fato de não saber a verdade.

Ele era mesmo aquele homem?

Ou estaria apenas se enganando?

A cada dia que passava, o desejo de voltar para casa aumentava.

Ela precisava de respostas. E as teria, custasse o que custasse.
As dúvidas consumiam Maria Antonieta dia e noite, martirizando sua alma inquieta.

Em meio à incerteza, sua única válvula de escape era Sara, a prima e confidente que conhecia seus sentimentos mais profundos.

Somente com ela Maria Antonieta conseguia baixar a guarda e expressar suas angústias, seus medos e aquele misto de esperança e desespero que a assolava.

Sara a ouvia com paciência, tentando acalmá-la, mas nem mesmo suas palavras doces eram suficientes para apaziguar o coração de Antonieta.

Cada vez mais, a necessidade de descobrir a verdade crescia dentro dela como uma chama incontrolável.

Ela precisava voltar para casa.

E mais do que isso… precisava reencontrá-lo.
Apesar de confiar plenamente em Sara, Maria Antonieta não teve coragem de contar sobre aquela noite no jantar.

Não revelou a cena que presenciou. Não mencionou os três beijinhos no rosto de sua tia.

Era como se, ao falar em voz alta, o medo de estar errada se tornasse real.

E se fosse apenas uma ilusão? E se ela estivesse se agarrando a algo que nunca aconteceu de fato?

Sara era sua confidente, mas aquela dúvida era só dela.

Até que tivesse certeza, até que descobrisse a verdade com seus próprios olhos, manteria esse segredo apenas para si.

 

Oh dúvida cruel…

A pergunta de Sara pegou Maria Antonieta de surpresa.

— Será que sua tia gosta mesmo do seu tio? — ela sussurrou, observando Débora conversar animadamente com um homem desconhecido.

Maria Antonieta desviou o olhar para a tia. Débora parecia tão à vontade, tão viva, tão diferente da mulher discreta e recatada que conheciam.

Seria possível que…? Não, era um pensamento  absurdo!

Mas agora que Sara havia plantado aquela dúvida, era impossível ignorá-la.

Maria Antonieta olhou para o tio Sgarden. Sempre sério, sempre reservado.

Talvez aquele casamento não fosse tão perfeito quanto todos imaginavam…

E se a relação entre sua tia e Willys—ou Stone—fosse algo mais do que um simples cumprimento?

Aquela dúvida agora queimava em sua mente como fogo.
A pergunta de Sara fez o coração de Maria Antonieta acelerar. Seria apenas um comentário despretensioso ou ela também teria visto algo?

Ela olhou para a prima, tentando decifrar seu olhar. Sara parecia tranquila, mas havia algo na sua expressão que a deixava inquieta.

— Por que essa pergunta, Sara? — Maria tentou parecer indiferente, mas sua voz carregava um leve tremor.

— Ah, sei lá… só uma impressão… — Sara deu de ombros. — Sua tia é tão bonita e cheia de vida… às vezes parece que falta algo naquele casamento.

Maria Antonieta sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

E se sua prima tivesse visto algo naquela noite do jantar também?

Mas se tivesse… por que não disse nada até agora?


VEJA O QUARTO CAPÍTULO DO ROMANCE…