Capítulo 10 – As Três Frentes de Maria Antonieta

Maria Antonieta percebeu que, para desvendar os segredos que pairavam sobre a Mansão Skills, teria que jogar em três frentes: Willys, Débora e Mariana. Cada um deles era uma peça essencial no tabuleiro — e ela, pela primeira vez, assumia o papel da jogadora principal.


Com Willys: o jogo da delicadeza

Ela passou a observá-lo como quem estuda um quadro que já viu mil vezes, mas que de repente revela uma nova pincelada. Não perguntava diretamente, mas criava situações: deixava a carta anônima próxima dele, mencionava Paris com um ar casual, citava sua flor favorita esperando ver uma reação. Cada gesto dele era lido como se carregasse um código.
Sara a orientava:
— Ele é inteligente. Se ele for o que a gente imagina, vai perceber que você está testando. Só não pode demonstrar demais.
Antonieta sorria com o olhar:
— Eu sou filha do Sr. Skills. Ninguém desconfiaria da minha delicadeza.


Com Mariana: o mistério da ternura

Mariana continuava envolta em uma aura de doçura e afeto com Willys. A forma como o olhava, os toques suaves, as risadas discretas… tudo isso deixava Antonieta alerta. Mas agora, ela observava com distanciamento calculado.
— Não a provoque — advertiu Sara. — Pode ser aliada ou pode ser mais uma peça plantada.
— Justamente por isso — respondeu Antonieta — é nela que vou testar a verdade emocional dele.


Com Débora: o silêncio que grita

Débora estava inquieta, mais arredia, mas tentava disfarçar. Não imaginava que Antonieta havia presenciado aquela cena no jardim. E Antonieta… jogava com o tempo.
— Eu quero ver até onde ela vai fingir.
Sara concordou.
— E se fingir até o fim?
— Então vai cair no próprio teatro.


A cumplicidade com Sara

Sara e Antonieta criaram um pequeno código para suas anotações e trocas de informações. Uma flor deixada sobre a escrivaninha era sinal de que algo havia sido descoberto. Um lenço com um nó discreto no espelho significava atenção redobrada.
Ambas sabiam que estavam entrando num jogo perigoso, mas estavam determinadas. E cada passo em falso dos outros, era um passo certeiro delas duas.

Uma Distração Inocente, Uma Revelação Preciosa

A manhã se desenhava com serenidade nos jardins da mansão Skills. Sara caminhava a passos lentos, absorvendo o ar úmido que carregava o perfume das magnólias recém-floridas. Ela fingia estar distraída, mas seus olhos atentos seguiam o rastro de vozes suaves que vinham do corredor lateral da estufa.

Ali, em meio às plantas altas e entreabertas, Willys e Mariana conversavam com naturalidade. Era a primeira vez que Sara os via tão descontraídos em um espaço aparentemente sem vigilância — o momento era perfeito.

— Você sempre foi assim… tão teimoso — dizia Mariana com um riso terno, batendo de leve no ombro dele.
— Eu prefiro “persistente” — respondeu ele, sorrindo.
— E eu prefiro “difícil” — provocou ela.
— Olha quem fala… só porque mamãe sempre dizia que você era a filha mais obstinada!

Silêncio. Pequeno. Sutil. Mas para Sara, explosivo.

Mariana arregalou os olhos por um segundo. Tentou consertar:
— Quer dizer… era como se eu fosse da família, né?
Willys apenas sorriu com um ar cansado, como quem sabia que aquele deslize não passaria despercebido… se alguém estivesse ouvindo.

E alguém estava.

Sara recuou lentamente, disfarçando o alívio e a surpresa.


A Revelação Completa: Irmãos de Sangue

Nos dias que seguiram àquele deslize de Mariana, Sara não descansou. A ideia de que Mariana e Willys pudessem ser irmãos legítimos agora a consumia — e ela sabia que, se fosse verdade, essa era uma peça crucial do quebra-cabeça que Maria Antonieta tanto tentava montar.

Sara começou a observar detalhes que antes lhe escapavam: os traços parecidos, a forma como ambos falavam de sua infância, a saudade contida nos olhos de Willys quando Mariana falava sobre “a velha casa do avô” ou “o cachorro que costumava dormir ao pé da escada”.

Mas a confirmação veio quando Sara, ao visitar discretamente a biblioteca da mansão para devolver um livro que Willys havia deixado para trás, encontrou algo inesperado. Entre as páginas de um romance esquecido, um recorte de jornal antigo caiu. Curiosa, ela se abaixou para pegar e, ao desdobrá-lo, o coração quase parou.

Era um pequeno artigo de um jornal local do interior, com uma manchete singela:

“Família Valmont se despede da matriarca Clara Valmont em cerimônia íntima.”

Abaixo, a lista dos filhos e netos. Dois nomes saltaram aos olhos de Sara:

— Willys Emanuel Valmont
— Mariana Clarisse Valmont

Abaixo de tudo, uma citação emocionante:
“Meus filhos são como as flores do meu jardim. Nenhuma é mais importante que a outra. São únicos, inseparáveis.” – Clara Valmont

Sara sentou-se, sem palavras. Ali estava, em preto e branco: irmãos legítimos. De sangue. Criados juntos. Aquele afeto entre eles, antes desconcertante, agora fazia todo o sentido. E junto com essa revelação, um novo fôlego de esperança se abriu.

Naquela mesma noite, ela procurou Antonieta na varanda da estufa.

— Ele não mentiu… — disse ela, com os olhos brilhando.
Antonieta a olhou confusa.
— Willys e Mariana. São irmãos, Antonieta. De verdade. Encontrei o sobrenome dos dois num jornal antigo. Valmont. Eles são filhos da mesma mulher.

Antonieta parou. Seu coração se desfez em silêncio — não em desespero, mas em alívio. Uma corrente invisível pareceu romper-se dentro dela. A sombra que Mariana projetava agora se dissipava com a luz da verdade.

— Então por que esconderam?
— Talvez medo… talvez estratégia. Talvez porque ele já sofreu demais, e esconder virou escudo.

Antonieta suspirou, emocionada.
— Obrigada, Sara… Agora, tudo começa a mudar…


CENA: No carro, ao entardecer — a revelação por Willys

O céu se desfazia em tons de laranja e púrpura. As árvores passavam devagar pela janela do carro, como se o tempo também quisesse desacelerar. Willys dirigia em silêncio, os olhos concentrados na estrada, mas o semblante… o semblante carregava a melancolia de alguém que conhece a dor do silêncio.

Maria Antonieta, sentada atrás, apertava entre os dedos o pequeno recorte de jornal que Sara havia lhe mostrado dias antes. O nome “Valmont” ainda reverberava em sua mente como um sino esquecido que voltara a soar. Seu coração batia com força, mas seu rosto mostrava apenas calma.

Ela rompeu o silêncio com uma doçura cuidadosamente medida:

— Você e Mariana… parecem ter uma história profunda. Algo que vem de muito antes da Mansão.

Willys hesitou. A pausa foi perceptível. Ele ajustou o espelho retrovisor, e seus olhos encontraram os dela por um breve instante.

— Temos, sim. — respondeu, com a voz baixa.

— Parece que ela te conhece de verdade… como ninguém mais conhece. — insistiu Antonieta, observando cada expressão, cada nuance.

Willys sorriu de lado, mas havia dor ali. Uma dor antiga.

— Mariana é parte de mim… somos feitos da mesma raiz. Da mesma história. Do mesmo sangue.

Antonieta sentiu o impacto mesmo já sabendo a verdade. Era diferente ouvi-la da boca dele.

— Irmãos? — murmurou, quase sem fôlego.

Ele assentiu devagar. — Filhos de Clara Valmont. — disse com reverência. — A mulher mais forte e mais ferida que já conheci.

Antonieta recostou-se, absorvendo cada palavra. O mistério deixava de ser um enigma e se tornava memória — uma história escondida, protegida, sofrida.

— Por que nunca disse nada? — ela perguntou, mais suave agora.

— Porque tudo o que nos resta é essa aparência de normalidade… o resto foi destruído por escolhas que não fizemos. O nome Valmont… por anos significou vergonha, disputa, e silêncio. Pra mim, ser apenas o chofer era mais fácil. Mariana… ela sempre quis nos proteger. Até dela mesma.

Os olhos de Antonieta estavam marejados. Ele não era um simples homem de passado obscuro. Era um sobrevivente.

— E agora? — ela sussurrou.

Willys olhou para frente, como se falasse com o futuro.

— Agora… eu só espero que, quando tudo vier à tona, alguém ainda olhe pra mim como você está olhando agora.

Ela não disse mais nada. Apenas encostou a cabeça no vidro, sentindo o mundo mudar lá fora — e dentro de si também.

Cena – Estrada de memórias…

O silêncio se prolongou, mas não era vazio. Era denso, pesado, como o espaço entre as notas de uma canção triste. Willys mantinha os olhos fixos na estrada, mas a respiração mais lenta denunciava que ele ainda tinha algo a dizer.

— Meu pai… — começou, a voz embargada. — Ele partiu antes mesmo de saber o que significava ser pai.

Antonieta desviou o olhar do horizonte para ele, atenta, como se cada palavra fosse um fio puxando o véu de sua história.

— Minha mãe, Clara Valmont, estava grávida de Mariana quando ele desapareceu. Nem uma carta, nem uma explicação. Só o vazio. — Ele fez uma breve pausa. — Eu ainda era criança, mas lembro do som das noites em que ela chorava. A dor dela se tornou o meu silêncio.

Os olhos de Antonieta estavam marejados, mas ela se manteve firme.

— Ela criou vocês sozinha?

Willys assentiu. — Sozinha, mas com dignidade. Nunca deixou faltar o essencial, mesmo quando o essencial era apenas um abraço ou uma palavra de fé. Eu me tornei homem mais cedo do que devia. E Mariana… Mariana cresceu cercada por um amor de mãe que carregava tristeza demais.

Ele suspirou fundo, como se aquela lembrança ainda ardesse.

— Minha mãe nunca falou mal dele, e talvez por isso eu nunca consegui odiá-lo de verdade. Mas jurei que nunca cometeria o mesmo erro. Nunca deixaria para trás quem confiasse em mim. Foi por isso que me tornei… isso. — ele apontou para o volante. — Alguém sempre presente. Mesmo que seja só como chofer.

Antonieta sentiu um nó apertar sua garganta. As engrenagens de sua mente giravam silenciosas: cada gesto dele, cada renúncia, cada sorriso gentil — agora tinham raízes. Ele não era apenas alguém misterioso. Era alguém que sobrevivia todos os dias à própria história.

— Willys… — ela sussurrou, com ternura. — Não é só como chofer que você está presente. Você… tem sido mais do que imagina.

Ele não respondeu. Mas pela primeira vez, desviou os olhos da estrada e permitiu que ficassem alguns segundos apenas nela — em silêncio, mas profundamente grato.

E foi nesse olhar que ela soube: estava cada vez mais próxima do coração que ele tanto tentava esconder.


VEJA O DÉCIMO PRIMEIRO CAPÍTULO DO ROMANCE…