Capítulo 08 – Desvendando segredos…
Segredo Número Um: A Primeira Ausência
Era uma tarde de primavera quando tudo começara. Maria Antonieta recordava com nitidez o dia em que seu pai comunicou, de forma serena e objetiva, que Willys teria que se ausentar do trabalho por um tempo indefinido. Um assunto pessoal, dissera ele. Apenas isso.
Na ocasião, ela sequer imaginava a importância que aquele homem ganharia em seus pensamentos, e talvez por isso não tenha se atentado à ausência repentina. Mas agora, revivendo cada detalhe, algo lhe soava estranho.
Willys havia sumido por quase um mês. Quando voltou, estava mais reservado, ainda mais gentil, porém havia em seu olhar um certo peso — como quem carrega um fardo invisível.
Numa conversa casual com seu pai, meses atrás, ela tentara tocar no assunto de forma leve. Mas ele, como sempre, fora discreto e respeitoso:
— Filha, algumas histórias não nos cabem… são dores que pertencem a outras almas.
Aquilo sempre ficara martelando em sua mente. Mas agora, com todos os enigmas que se acumulavam — a carta sem nome, Mariana, a ternura velada e os olhos que pareciam esconder mil segredos — tudo ganhava nova importância.
Decidida a descobrir mais, Antonieta volta à biblioteca da casa. Ali, entre livros antigos e registros administrativos, ela encontra um diário antigo do pai — nada íntimo, apenas anotações de compromissos e tarefas.
E então, um pequeno rabisco entre as páginas lhe chama a atenção:
“Encontro com Willys. Emergência de família. Não mencionar. Agosto.”
Agosto. O mês em que ele desapareceu.
Antonieta releu o rabisco no diário do pai várias vezes, como se as palavras pudessem mudar de significado a cada leitura. “Emergência de família”. Mas que tipo de emergência faria Willys desaparecer por tanto tempo sem sequer uma despedida?
Ela sentiu o coração acelerar. Pela primeira vez, tinha em mãos algo concreto. Não era só uma intuição, um sentimento vago, ou uma suposição sobre o que via — era um vestígio real, uma anotação que ligava Willys a um passado que ninguém comentava.
Guardou o diário no mesmo lugar, com o cuidado de não deixar marcas de sua curiosidade. E então, quase como um instinto, soube o que precisava fazer.
Ela voltou a folhear o velho caderno com as anotações do pai. Aquela caligrafia firme e discreta escondia mais do que revelava. “Emergência de família”. Era tudo o que dizia.
— Como vou abordar meu pai? — pensava. — Ele é o tipo de homem que honra a palavra dada até o último fio de cabelo. Se prometeu silêncio, não vai trair a confiança, nem mesmo por mim.
Sabia disso. Admirava isso nele. Mas, agora, essa mesma integridade se transformava em uma muralha intransponível. E foi então que, numa onda de lucidez, Maria Antonieta se lembrou de alguém que talvez pudesse oferecer uma brecha: sua mãe.
Sim, sua mãe era doce, sensível… e mesmo quando não dizia tudo, deixava transparecer nas entrelinhas. Era observadora, e acima de tudo, uma mulher que sempre soube escutar os silêncios da casa.
— Se alguém além do papai souber algo… é ela.
Naquela mesma noite, após o jantar, Maria Antonieta esperou o momento ideal. A mãe estava na sala de costura, separando tecidos para as novas cortinas. Havia um perfume suave de lavanda no ar.
Ela se aproximou com uma naturalidade treinada, como quem só busca conversar, mas com o coração acelerado.
— Mãe… posso te fazer uma pergunta? Mas precisa ser só entre nós duas…
A mãe ergueu os olhos e sorriu com doçura.
— Claro, minha filha. Sente-se aqui. — E deu um tapinha no sofá ao lado.
Antonieta respirou fundo, tentando encontrar a melhor forma de abordar o assunto sem parecer desconfiada ou invasiva.
— Você se lembra quando o Willys precisou se ausentar por um tempo… bem antes da nossa viagem? Foi algo inesperado, ele estava sempre tão pontual…
A mãe a olhou com serenidade, mas não respondeu de imediato. Suas mãos continuaram dobrando os tecidos com cuidado.
— Lembro sim. Foi uma época muito delicada, querida.
— Delicada… por quê?
A mãe hesitou. Por um segundo, parecia ponderar até onde podia ir.
— Algumas coisas não nos dizem respeito, Antonieta. Mas… o que posso te dizer, é que seu pai teve um carinho imenso ao acolher aquele rapaz. Ele fez mais do que muitos fariam. E Willys é grato por isso. Muito grato.
Antonieta sentiu um arrepio na espinha. Era pouco, mas era algo. Seu pai ajudou Willys… mas com o quê? E por que esse silêncio todo?
— Ele teve problemas na família?
A mãe suspirou.
— Eu não deveria dizer nada, minha filha… mas… nem tudo na vida é o que parece. Às vezes as pessoas guardam cicatrizes que a gente não vê.
Ela tocou o rosto da filha com carinho.
— Só te peço uma coisa… não julgue antes de conhecer toda a verdade.
Antonieta assentiu, mas sua mente já estava longe. Era como se tivesse recebido uma senha para algo muito maior do que imaginava…
A mãe se recostou no sofá, com os olhos voltados para algum ponto do passado.
— Há algo que posso te contar… — disse com a voz baixa, quase num sussurro. — Mas só porque confio em você, minha filha. Não por curiosidade… mas porque talvez isso te ajude a entender melhor esse silêncio todo ao redor de Willys.
Maria Antonieta prendeu a respiração.
— Houve… uma mulher. Um amor muito intenso. E, ao que tudo indica, foi um relacionamento profundo, talvez até daqueles que a gente só vive uma vez. Mas…
Ela parou por um instante, como se precisasse buscar forças para continuar.
— Willys… passou por algo muito difícil no passado. Um amor… forte. Daqueles que a gente acredita que vai durar pra sempre, sabe? Ele chegou a ficar noivo.
Ela fez uma pausa breve.
— Mas esse noivado terminou de forma… dolorosa. E o que o feriu ainda mais foi a traição. A mulher que ele amava se envolveu com alguém muito querido da própria família dele. Isso partiu Willys de um jeito que poucas pessoas conhecem. Ele se fechou. E desde então… nunca mais foi o mesmo.
Antonieta sentiu o coração bater mais rápido. Um silêncio espesso se instalou.
— Seu pai ajudou como pôde. A confiança que existe entre os dois vem de longe… e do respeito mútuo. Mas ele nunca me contou detalhes. Apenas isso: Willys foi profundamente machucado. E por isso carrega essa sombra no olhar… e esse jeito contido com as pessoas.
O silêncio se espalhou por alguns instantes.
A mãe voltou a olhá-la, desta vez com um sorriso curioso no canto dos lábios.
— Mas… me diga, minha filha. Por que tanto interesse em saber sobre o nosso chofer? — perguntou com ternura. — Há algo que você queira me contar?
Antonieta sentiu o rosto corar. Sorriu sem jeito.
— Não é nada, mãe. Só… só acho ele diferente. E… um pouco misterioso demais, talvez.
A mãe assentiu com um leve levantar de sobrancelhas.
— Diferente ele é mesmo… Mas cuidado, filha. Mistérios demais costumam carregar histórias pesadas. E às vezes, a gente se machuca tentando desvendar o que não está pronta pra saber.
…Como se, em meio ao labirinto de incertezas, uma luz suave começasse a apontar uma nova trilha.
Maria Antonieta permaneceu sentada em seu quarto, a carta cuidadosamente guardada entre as páginas de seu diário, o olhar fixo na janela onde a luz do fim da tarde dourava tudo ao redor. As perguntas fervilhavam em sua mente, dançando como fragmentos de um quebra-cabeça incompleto.
Ela se levantou, caminhando de um lado para o outro, repassando mentalmente tudo o que sabia. O suposto Willys em Paris… a carta apaixonada… os gestos de ternura entre ele e Mariana… e agora, o segredo revelado por sua mãe. Tudo a levava a crer que havia uma dor profunda no passado daquele homem, mas também havia um silêncio — talvez protetor, talvez cúmplice — sobre sua verdadeira história.
“E se não for culpa dele?”, pensou. “E se tudo o que vi… tudo o que pensei… não passou de um grande mal-entendido?”
Por mais que sua razão gritasse para que se afastasse, seu coração insistia em se aproximar. Algo dentro dela dizia que havia mais por trás daquele olhar calmo e das palavras sempre medidas de Willys. Algo que ainda precisava ser descoberto.
E foi então que decidiu: iria até o fim. Iria desvendar a verdade, não por curiosidade… mas porque seu coração, de alguma forma, já estava entregue.
Ela apertou o diário contra o peito e sussurrou:
— Seja para quem quer que seja essa carta… eu preciso saber…
Cena: A noite em que tudo começou a clarear
Maria Antonieta estava sozinha no jardim da casa, sentada em seu banco favorito, rodeada pelas dálias brancas que tanto amava. O vento soprava suave, e cada folha que se movia parecia carregar um fragmento de lembrança, uma pergunta sem resposta, uma emoção sufocada.
Ela respirou fundo e tirou do bolso interno de seu casaco o pedaço de papel que havia encontrado dias antes — a carta. Aquela caligrafia forte e ao mesmo tempo delicada, aquelas palavras tão apaixonadas, pareciam escritas para ela… Mas não havia nome. Nenhum. Era como se o autor quisesse amar sem ser descoberto.
Com os olhos presos nas palavras, ela se deixou levar pelos pensamentos:
“Se ele nunca esteve em Paris… então quem era aquele homem no jantar? Por que aquele beijo com tia Débora me pareceu tão real? Será que foi tudo fruto da minha imaginação? Ou… não era ele?”
“E Mariana… poderia ser ela a mulher da carta? Ou será que é… a mesma mulher que o traiu? E se for… por que então ele a trata com tanta doçura? Será que a perdoou? Será que ainda a ama?”
A confusão parecia infinita, mas no meio dela, uma fagulha de esperança se acendeu. Era o modo como ele a olhava. A forma como parecia escutá-la com verdadeira atenção. E agora, lembrando-se das palavras dele na estufa — “o lugar mais bonito que já conheci é exatamente onde estou agora” —, um arrepio percorreu sua espinha.
Ela levou a mão ao peito. Seu coração batia acelerado.
“E se for para mim essa carta? E se essa história toda… tiver muito mais a ver comigo do que eu imaginava?”
Seu olhar se ergueu para o céu, onde uma estrela solitária cintilava acima das outras.
— Eu vou descobrir. — murmurou. — E se for verdade… eu não vou deixar passar.
Cena: O Retorno ao Lugar Mais Lindo do Mundo
No final da tarde, com o céu tingido em tons de âmbar, Maria Antonieta voltou à estufa — o lugar que Willys dissera ser o mais lindo que já conhecera. As flores, em plena explosão de cor e perfume, pareciam guardar as confidências que ali haviam sido trocadas. Com a carta guardada no bolso do casaco, ela caminhava devagar, sentindo o coração bater mais alto a cada passo.
Ela não esperava encontrá-lo ali… mas sabia que, de alguma forma, ele viria.
E veio.
Cena: Segredos em Flor
O sol tingia a estufa com uma luz dourada quando Maria Antonieta entrou, segurando delicadamente o bilhete dobrado. Seus olhos varriam o lugar como quem revisita uma memória. Era ali que ele havia dito: “Este é o lugar mais lindo que já conheci.” E agora, aquele mesmo lugar serviria para testar uma verdade escondida.
Ela encostou-se a uma bancada de madeira coberta de vasos floridos, tirou o papel do bolso e o desdobrou com cuidado. Leu as palavras apaixonadas mais uma vez, sentindo cada frase como um sussurro perdido no tempo. Não havia nome, só emoção. Era uma carta escrita com alma — mas para quem?
Um leve som de passos e o aroma sutil da presença dele invadiram o espaço. Ela não precisou olhar para saber. Willys estava ali.
Ele surgiu entre as flores como se sempre fizesse parte daquele cenário. Quando viu o papel em suas mãos, algo nele se quebrou por dentro. Não externamente, não com palavras — mas no olhar, no leve trincar da respiração.
— O que é isso que tem aí? — perguntou, como se não soubesse, mas sua voz falhou na última sílaba.
Ela levantou o rosto com doçura e respondeu:
— Apenas um bilhete… algo que encontrei por aí…
Ele tentou sorrir, mas a curva dos lábios não enganou ninguém. Estava em alerta.
Enquanto isso, na mente dela, tudo era análise.
“Ele tremeu. Não disse que não era dele. Só perguntou o que era… Isso diz muito. O que há nessa carta que ele teme que eu saiba? Para quem seria? Mariana? Débora? Ou… seria para mim?”
Na mente dele, o caos:
“Como ela encontrou isso? Quantas páginas estavam com a carta? Será que leu tudo? Será que percebeu que era para ela? Ou… será que acha que é para outra? Se eu negar, vou parecer culpado. Se eu admitir… me entrego por completo.”
O tempo parou por alguns segundos.
Ela dobrou a carta com lentidão, sem tirar os olhos dele, e guardou novamente no bolso. Em seu silêncio havia força, astúcia e até uma ponta de provocação.
— É curioso como algumas palavras podem parecer tão familiares… — disse com um meio sorriso.
Willys assentiu com a cabeça, mas não respondeu. Apenas a observava como se ela fosse um enigma impossível de decifrar.
O momento foi interrompido pelo leve barulho de um vaso caindo ao longe, talvez movido por uma brisa, talvez pelo destino. Ambos olharam, mas logo voltaram os olhos um ao outro. Agora estavam em um novo território — onde um sabia demais e o outro temia ser descoberto.